5.25.2007

Moçâmedes, Namibe: zona de Vivendas e Moradias
















Paraiso perdido

Hoje acordou revolto, alucinado,
O deserto transfigurado!...
As garrôas com asas de satã
Levantaram da terra chã
Serpentes ondulantes, endemoninhados.
E jubas desgrenhadas de leões,
Colunas de poeiras desgarradas,
Como indómitos dragões!...
As dunas enlouquecem,
os cactos contorcidos. estremecem,
E as welwitschias ainda mais prostadas
Fincam no chão as rudes mãos crispadas

Passa nas asas do vento
A bárbara sinfonia
De revolta e de tormento...
Só quando, à hora mansa do poente,
Nasce das coisas uma paz dormente,
A ventania é leve sopro de ânsia,
Morrendo nos soluços da distância...

E o imenso areal prostrado
Tem dentro dele um coração cansado,
Mas que inda grita a quem passa
A sua velha e trágica desgraça
De lagos, rios, fontes que secaram,
De searas e jardins que lhe roubaram...
E sai-lhes das entranhas torturadas
Uma suplica feita aos cavaleiros
Aos poetas, aos zagais e aos pintores,
Sem jeiras para cavar,
Sem rebanhos p'ra pascer,
Sem letras para compor,
sem poemas p´ra cantar
sem novelos p'ra tecer...

E, quando a noite desce,
O pálido deserto adormece,
Numa expressão de prece...
E vao sonhar, em mundos irreais,
Com uma paraíso edénico, perdido...
Que há-de nascer dos próprios areais!...

José Galvão Balsa
















 


welwitschia mirabilis

Quem te traz, planta solitária do deserto, ao longo dos séculos?
Quem te alimenta e às tuas flores na estéril gleba?
Que braço, que mão, que asas, que anjo ou demónio
te conduzem e protegem na cela aberta da tua solidão?
Que ventos selvagens e sem amarras arrebatam os teus alados periantos
e os transportam por sobre as dunas do tempo
pela planura imensa e faiscante?
Que hálito de inclemência e sal é este que sopra do largo?
Por que afagas nas tuas asas aqueles que te consomem e queimam ao longo dos séculos?
Donde a força que os desgoverna desde os indecisos confins?
Donde o ânimo que os faz subir as altas muralhas
de fragas e penhascos da desventrada Costa dos Esqueletos,
qual caravana de serpentes enoveladas e arrastadas
por sobre as tuas verdes asas, como demónios violadores?
Como sobrevives, se dentro das implacáveis labaredas?
Como resistes, eterna e glauca e sempre fresca
na envoltura de cal da planície de restos?
Como seguras o tempo primário e imóvel
nas areias de sal e de vento e de fogo
que fustigam e torturam as tuas enigmáticas brácteas?
E o Sol, por que o recebes de braços abertos,
quando é ele que queima o orvalho transparente e breve
que haures na lentidão silente das tuas madrugadas?
Que umbráculos acautelam a tua semente incendiada
quando o astro-rei fulgura sobre os ponteiros do meio-dia?
Por que o recebes com o teu sorriso secular e aberto,
a ele, que abrasa as areias e as pedras à tua volta
até às pálpebras vermelhas do crepúsculo?
Que espúrias cinzas te renascem,
gloriosa fénix africana, ao longo das centúrias?
Donde os plangentes e lacerados lamentos de harpa
que te amanhecem e trespassam de perpétua solidão?
Tu que tudo sabes e perdoas, flor solitária do deserto,
tu que sofres no mar de areia, de fogo e de vento
que se alevanta do mar frio da Costa dos Esqueletos,
diz-me… diz-me… terna amiga: “como se cura a solidão?”
Quero dormir esta noite dentro dos teus braços milenares.
Abrigado pelas tuas asas verde-jade.
Nas margens precárias do meu leito,
tendo por limite as paredes oblíquas do meu quarto de vento e areia,
quero beber contigo o frio e doce orvalho da madrugada.
E quando a Lua plena iniciar a descida pelas escadas azulinas do zénite,
quero ser um dos navios naufragados.
Sem mastros, sem velas e sem leme,
vestido de vento e espuma, vogarei contigo
em liberdade de algemas pelos lençóis de bruma do Golfo
e, desgovernados, adernaremos
por sobre os espelhos de areia e algas da Praia dos Esqueletos.
No meu sonho alado e sem âncoras,
quando o mel lunar encher de oiro o nosso território,
perguntar-te-ei, de novo, como se preenche o vazio da solidão.
E tu dir-me-ás então, e tão-somente, que frágil é o corpo, e efémero é o sonho.
E eu sei, amiga, que por aí te ficarás.
E juntos adormeceremos de mãos dadas
sob as horas ermas de silêncio e solidão sem limites
que nocturnas e demoradas tombam
por sobre o chão lunar do mítico Namib.



ZENITE

Um comentário:

  1. Última habitação da família SANTOS!!
    Como fui feliz.......

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